quinta-feira, 31 de maio de 2012

Ao Pescador




É difícil escolher as mais belas canções de sempre mas esta é sem dúvida uma delas.


Hoje é o Dia do Pescador, homem do mar, inspirador de grandes poetas, ainda assim atrevo-me a prestar-lhe homenagem com este poema.


As rugas nutridas de sol e sal falam de luta e de paixão
das noites,  das luas e das marés
falam de ti, homem pescador
falam da tua fé
por esse mar
doce e sereno como o corpo depois do amor
pedes a Deus e à Virgem a dádiva de ir e voltar
a magia dos teus amores abraçar
pescador, no mar não és nada e és um homem e tanto

Com o sabor agridoce do prazer e da dor
noite após noite entras no mar
misterioso e enganador
quantas vezes general em guerra
de ondas e vendaval
quantas vezes o teu caixão
cruel e sem mágoa
quantas vezes te transforma em água
nas ondas da morte que vem fria e calma
quantas vezes voltas na espuma de encanto
de flores desfolhadas
na trovoada de raios e relâmpagos

São afagos, são lamentos,
a que Deus assiste
arrancados à alma
do teu amor triste
pelo infinito amar
e nem sabe se chora lágrimas
se chora mar

MariaJB


segunda-feira, 28 de maio de 2012

A mulher e o pássaro

Enquanto olhava o silêncio
Abruptamente cortado
Pelo concreto rumor do mar
Por uma pequena janela
Desenhada entre as ondas
Espreitava um pássaro dourado
De um tempo longínquo
No espelho do olhar gravado
Levou a mão ao peito
pulsava
Como a terra inundada
Que o mar surpreendeu
Pensava no destino
Até que lhe secou a pele
E o pássaro?
Desapareceu

MariaJB

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Oscar Peterson




Oscar Peterson, grande pianista de Jazz canadiano  na interpretação de Wave de Jobim.
Maravilhoso.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Os Amigos

Os amigos amei
despido de ternura
fatigada;
uns iam, outros vinham,
a nenhum perguntava
porque partia,
porque ficava;
era pouco o que tinha,
pouco o que dava,
mas também só queria
partilhar
a sede de alegria —
por mais amarga.

Eugénio de Andrade

Na minha alma...

Na minha alma...
 murmúrios de sombras quentes
silhuetas negras em tela transparente
a melancolia da lua
sem luz não é minha nem tua
na minha alma…o sol que desvanece
lobos que uivam e nada acontece
em planícies de saudade
gritos de graffiti na indiferença da cidade
a revolta sem palco sem audiência
a liberdade apócrifa da minha existência
na minha alma…a agonia do touro em pontas de farpa
o pranto das árvores desnudas de folhas de prata
pétalas de rosa do deserto encontro e sempre perco
sonhos de areia cristalizada …é tudo e é nada…

MariaJB

terça-feira, 15 de maio de 2012

My Way




  
Versão original de Claude François com o título “Comme d’habitude” que Paul Anka adaptou, Sinatra imortalizou e Elvis sublimou. My Way.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Quis um dia...


Quis um dia querer-te com a ternura
De uma história delicadamente bela
Com sabor de hortelã menta e canela
Com sabor de mel e azul na noite pura

Quis um dia querer-te docemente
Como um mar de alva espuma
Quis querer-te leve como uma pluma
Acariciando o teu corpo suavemente

Mas quero-te como quem sente
Tão ferozmente …quero-te assim ...
De febre, de lava e fogo em mim…

E então, amor! Como querer-te docemente?
Se quero a labareda que me devore louca,
Se quero a fome e a chama da tua boca!

MariaJB

Conto

Tomado de tamanha excitação Zé Gato encostou a amada à parede “Ah José, agarra-te que vêm aí as curvas!”. Em momentos solenes usava o nome José, era mais finório. Zé Gato era o seu nome de menino quando agilmente corria pelas ruas e levava recados de porta em porta para arrecadar uns trocos e o fazia sentir-se homem.  Mas o que ele gostava mesmo era de o associar aos momentos áureos em que se esgueirava e furtivamente roubava laranjas no quintal da vizinha Cristiana que de alma generosa fechava os olhos aos constantes ataques que vitimavam a aritmética do seu laranjal, e com o andar gingão e sobrolho levantado exibia o espólio de meia dúzia de citrinos aos pirralhos que o seguiam e idolatravam pela coragem e ousadia.
O que não estava nos planos de Zé Gato foi o súbito tremedor que lhe entrou pelas unhas dos pés e se encavalitou sem misericórdia pelo corpo acima. Habituado a façanhas de macho junto das mulheres de vida fácil sentiu-se repentinamente desajeitado sem saber como pôr as mãos nas curvas de Angélica já ofegante pela expectativa das carícias do garboso namorado. Roçou-lhe a masculinidade e sentiu a quentura voluptuosa daquele corpo que lhe oferecia  a virtude sem resistência.  Ainda timidamente em toques de veneração percebeu que amava perdidamente aquela mulher de belos olhos que lhe larapiou o coração. Com o olhar preso no dela inclinou o rosto e beijou-a gentilmente, uma vez, mas já ávido de paixão explorou todos os recantos daquela boca de mel e finalmente explodiu e libertou as mãos da inércia temporária percorrendo todo o corpo de Angélica derretido de amor e magia.
“Ah, grande malandro!  Pensavas que me fintavas?“ Atarantado, ainda sem perceber bem o que lhe estava a acontecer Zé Gato acordou do sonho com uma paulada na cabeça acompanhada dos gritos estridentes de D. Prudência, a querida futura sogra, que tomada de cuidados os seguiu sorrateiramente na missão inabalável de guardiã da honra da família.
 “Puta da velha!!” pensamento que traía o olhar inocente e desculposo que lhe dirigiu. Sempre era melhor prevenir não se desse o caso de tudo dar para o torto e então “adeus curvas!”. Com uma vontade assassina de esganar aquele pescoço flácido e rugoso compôs o semblante  com o ar mais respeitoso e sóbrio possível sentindo o cacarejar do galo que emergia exuberante no alto da sua cabeça.
 “D. Perpétua, vossemecê há-de desculpar o atrevimento, mas eu e a Angélica… bem… nós estamos noivos!”
Tal foi a novidade que até o Zé Gato ficou surpreendido de olhos esbugalhados a olhar para as duas mulheres.
Angélica, sem voz e corada até às orelhas, ajeitava nervosamente ao longo das pernas o vestido amarelo que tão amorosamente tinha costurado para a tão esperada noite do bailarico, estarrecida com o que acabava de ouvir e acontecer, suspensa pelo ar tenebroso da mãe Prudência.
“Noivos? “ pensou D. Prudência  com o cérebro já a mil, afinal o rapazola não era desajeitado, tinha trabalho, nas obras pois bem mas quem sabe não viria a ser mestre e o futuro da sua Angélica estaria garantido.
“Disseste, estamos noivos?” perguntou ainda com um ar carrancudo.
“Bem…eu…” começou Zé Gato a gaguejar, rogando pragas a si próprio pela alhada em que se metera.  
“Mau! És gago?” cortou D. Prudência já preparada para um novo ataque com o ar autoritário que se impunha, olhando para Angélica ainda meio apalermada com os olhos pregados no rosto magro e pálido do seu amado. Repentinamente como quem adivinha a falsa verdade irrompe num choro convulsivo deixando Zé Gato atrapalhado sem saber o que dizer “Estou frito” pensou desgostoso, que amava Angélica era um facto e agora ela esvaía-se em lágrimas como se o mundo estivesse para acabar. Não via necessidade de precipitar as coisas e ainda teria que explicar que a amava mas precisava dar um jeito à vida que já previa ser miserável no entanto ouviu-se a si próprio “ Angélica, queres casar comigo?” Ora, que se lixe, afinal era um homem de coração grande, bem podia acreditar que o amor por Angélica seria suficiente para matar a sede.
Mais tarde por via da desculpa enquanto se enfrascava para esquecer as agruras da vida de cão viria a pensar que foi este episódio traumático que lhe avivou os instintos violentos a juntar a umas quantas surras que o pai lhe distribuía  gratuitamente quando ainda menino resolvia, por conta dos trocados,  desviar uma mísera moedinha para rebuçados ao pecúlio tão ansiosamente aguardado pela garrafa de vinho que o pai despejava com desvelo enquanto lhe dizia as estranhas palavras “quando as curvas se transformam em praça não há remédio melhor que beber uma taça”.
MariaJB

terça-feira, 8 de maio de 2012

Um Amigo

Há uma casa no olhar
de um amigo.
Nela entramos sacudindo a chuva.
Deixamos no cabide o casaco
fumegando ainda dos incêndios do dia.
Nas fontes e nos jardins
das palavras que trazemos
o amigo ergue o cálice
e o verão
das sementes.
Então abre as janelas das mãos para que cantem
a claridade, a água
e as pontes da sua voz
onde dançam os mais árduos esplendores.

Um amigo somos nós, atravessando o olhar
e os véus de linho sobre o rosto da vida
nas tardes de relâmpagos e nos exílios,

onde a ira nómada da cidade arde
como um cego em busca de luz.



Eduardo Bettencourt Pinto



Para todos os meus amigos, aqueles para quem sou real ou imaginária. Não importa.

domingo, 6 de maio de 2012

Morte

Com esses dentinhos de crocodilo e olhos de serpente
és uma bruxa de beijo fatal e beijas toda a gente
tão amorosa…numa manhã qualquer ou tarde
ou noite reclamas o pão com que te alimentas e ardes

com que gemidos com que queixumes com que lamentos
danças e ris e gozas como um pássaro de rapina ao vento
ergues altares de devoção com flores sem caule, mortas
como gostas, e no silêncio uma égua a relinchar absorta

com que cavalos riscas o tempo e que drogas andas
a tomar? Grande turista de terra e mar e não te cansas
não te mói o trabalho comes o corpo e sorves a alma
ó Negra és um estado, uma nação de vermelho e calma

lambes o sangue, o plasma e os glóbulos, incansável
mãe da nova estirpe dos olhos vazios e abominável
creio que o teu problema deve ser falta de amizade!
ciúmes talvez… da vida, do prazer do riso, da possibilidade

Criatura bizarra!  beijar a Humanidade é o teu plano…
por favor não me faças um like nos próximos 50 anos!

MariaJB

sábado, 5 de maio de 2012

Bolena

Quero-te como te amo e rio                  
Dos mil dias, das flores de Maio.
Eu te saúdo!
O amor frio nos olhos do verdugo
Nu, despido e vazio…
Vim para morrer, plena!
Irei num cavalo bravio
Sobre o dorso sobre a crina
Leve e pura do tempo
Que faz e desfaz o sofrimento
Que me oprime e te fascina.
Vim para morrer. Vim para ser.
Bolena

MariaJB

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Eva Maria

As duas em silêncio estudavam-se com calma
De fora para dentro do corpo para a alma
O eco só decifrável na vulnerabilidade de Si Mesma
Sem Graça, os gestos suspensos na cisma

De Ela Própria que a vida pode ser um ápice
Como doce o vinho que enche o cálice
O olhar vagamente perdido no labirinto
De sonhos atrofiados e amarelos e famintos…

 Uma lágrima despenhou-se miseravelmente
 Estéril e os dedos tremiam trágicos e de repente
Os da mão esquerda  tocaram o fruto mágico a provocar
 A fraqueza …(quem a inventou? Deus ou o calcanhar?)

Não! Por favor! Gritou-lhe Si Mesma Sem Graça
Se o colheres sangrarás e não há quem te refaça!
E Ela Própria respondeu:  sangro eu colha ou não                                                
E é mais triste não provar o sabor da tentação

Quero-o desde o tempo dos seis dias Imortais
À sombra da árvore canalha e os anjos aos ais
E Si Mesma Sem Graça olhou Ela Própria mortal
Enfrentarás primeiro a espada depois o punhal!

Ela Própria insistiu: só quero provar e nada mais
O fruto é singular como os homens e os animais
Como o desejo, a paixão e as rosas fantásticas
Ou as estrelas incendiadas de chamas apoteóticas

E Si Mesma Sem Graça disse num fio de voz celestial:
Enfrentarás primeiro a espada depois o punhal
E assim ferida morrerás imprecisa como o rumor!
Não! No fruto colhido há um gesto de amor!

Respondeu Ela Própria a Si Mesma Sem Graça,
 Duas asas de anjo na borboleta que me abraça
 Um sopro de espírito de suave delicadeza
Ó Criador! Dir-lhe-ás Tu se nuclear é beleza?

E a Si Mesma Sem Graça Ela Própria respondeu:
Desenha uma estrela e saberás como aconteceu
A ela humana a original inocência perdida
Saberás que a paixão, o amor e a paixão é a vida!

Enfrentarei primeiro a espada e depois o punhal?
Pode até ser! Mas tu não sabes que o prazer divinal
Do sabor, do cheiro, da pele, é coisa de mulher!
Não sabes que para nasceres eu tive que morrer!

E nasço… da ferida da espada e do punhal
E aos Céus cantarei a litania de êxtase total
Que me fira a espada e depois o punhal…
Que me fira a espada e depois o punhal…

MariaJB