quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Por um poema


Há coisas que apenas se sentem, são indizíveis

na distância que a palavra não alcança

perdida nos mil dias, nas flores de Maio

por um poema

por uma história que não era minha

como não é o voo dos pássaros

nem a paz dos rios.

Minhas, só tenho a vida e a morte

e algumas palavras... doces e amargas.

Por um poema
 
estou imperdoavelmente triste.
 
 
MariaJB

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

...

Foi o teu sorriso assim de madrugada

Que no rumor do vento me beijou

No êxtase da íntima noite, abraçada

À tua a minha alma chorou


 
E quando sorris assim quero morrer

Celebrar a Deus e à luz dourada

Este vício de te amar de tanto querer

A minha alma viva e apaixonada


Neste porque sim ou porque não

Neste instante fugaz de prazer

De desejo, de vinho e de paixão


Morro assim… desta maneira…

E não…não tenho medo de morrer...

Porque teria se a alma se faz inteira?



MariaJB

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Baudelaire


De uma planície de papel e pontas de lápis gastos

Entre o descaso e a melancolia de todas as palavras extintas

vens tu do silêncio

no enlevo das flores malditas

e não sei se essa loucura me liberta ou escraviza,

[Se o poema endurece ou humaniza]

Poeta,

Mas se não mata, cura.


MariaJB

sábado, 15 de setembro de 2012

Adolescência


Tenho saudade
daquele tempo
de vida despreocupada
em que tudo é nada
mas intenso cada momento
sonhado
com a inocência do pensamento
de ser mais… querer mais…
da irreverência da adolescência
de dizer sim ao não
na afirmação de quem cresce
e acredita que na vida
tudo de bom se merece
 
MariaJB

domingo, 26 de agosto de 2012

Feliz? Sei lá...


Feliz? Sei lá...

talvez precise de umas sapatilhas de bailarina,

de um sonho infantil,

da lua que pedi e ninguém pôde dar

ou das tulipas que não recebi, negras...

talvez precise da surpresa,

do espanto,

do grito prodigioso da paixão,

de uma fada que me leve na estrada encantada

para além do tempo absurdo da solidão,

de jardins aos molhos e sorrisos aos montes,

de crença,

talvez precise de uma espiga de ouro em campo de seara,

pode até ser solitária,

o doce engano de um raio de sol

ou mesmo nada....

Feliz? Sei lá!...

talvez precise de "ôtros negoço possive".

MariaJB


Poema inspirado no poema "Cante lá que eu canto cá" da autoria de Patativa do Assaré (1909-2002).

Poeta de uma sensibilidade e simplicidade extraordinárias foi com certeza um homem de grande sabedoria e que acredito ter sido feliz.

Obrigada a quem me o deu a conhecer.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Recuso-me

De repente leva a esperança
o espesso vento da melancolia
leva-a para o mundo da descrença
do esquecimento, da nostalgia

mas recuso-me a ser triste, a dar
à morte a alegria fenecida
de um pedaço de mim ainda em vida
recuso-me a sofrer, a lamentar

o fado que me perturba e agita
que me encurrala e confunde
recuso-me à morte que artificia

a morte da alma que ainda acredita
num mistério que abrande
o espesso vento da melancolia


MariaJB

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

....

Com o coração frio
saíste para fazer pátria
não te atrasaste
saíste com o silêncio
nas horas vivas pela madrugada
no teu ventre mãe o pequeno rapaz
Hiroshima, nosso horror
sem a alegria que prende ao infinito
os momentos breves e doces
a paz
na noite cruzaste mares e céus
e o que fizeste, meu Deus?
nada!
fizeste nada,
reduziste a criança a bomba, sangue e pó
como uma borboleta inflamada
em ondas de fogo para sempre,
eternamente.

E quase ninguém se atrasou
para a morte anunciada.
MariaJB

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Se soubesse escrever poesia

Se soubesse escrever poesia
Num só poema então te diria,
Baixinho… como são poderosas
As palavras…são como rosas

Provocantes nos matagais
São pétalas rubras fatais
Como beijos de surpresa e mel
No meu sorriso, na minha pele

São doces as pétalas proibidas…
           Ai Deus…! É a ti ,que quase acredito,
           que digo, eu sei porque são interditas

          São o desassossego que me alarma
          Invadem a minha mente e o meu espirito  
          E sussurram, baixinho… Dás-me a tua alma?

MariaJB

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Mar

Inquieto e desconcertado
revolto e encrespado
de ondas pungentes
que morrem suavemente
e suavemente
na areia deixam versos perolados
de sentimentos inacabados
Ó mar! O que procuras?
A saudade?
Saudade é tempestade
é ansia sofrida
de dores não esquecidas.
Na imensidão desse aquário que é o mar
procura a bonança
porque quem procura sempre alcança,
e suavemente, suavemente
entende que a força do mar
que és tu
é a força que lhe queres dar

MariaJB

segunda-feira, 16 de julho de 2012

A selvagem esperança



Verdi


Éramos deuses e fizeram-nos escravos.
Éramos filhos do sol e consolaram-nos com medalhas de lata.
Éramos poetas e puseram-nos a recitar uma esmolinha por amor
De Deus.
Éramos felizes e civilizaram-nos.
Quem refrescará a memória da tribo.
Quem fará reviver os nossos deuses.
Que a selvagem esperança seja sempre tua,
querida alma indomável.

Gonzalo Arango

sábado, 14 de julho de 2012

Destino

Quem me dera poder
rasgar as asas do vento
sentar-me na nuvem branca
que passa no momento
e ao infinito gritar, gritar
que raio de destino é este
que me faz sonhar?
Só posso rir e chorar
Vejo o sol que brilha
e a lua que dança
na espera contida
da maldita esperança.
Que loucura! Cai na real
o mundo não pára
o vento sopra
a nuvem desliza
o sol brilha
e a lua não dança,
Tem quatro fases.

O meu primeiro poema.

MariaJB

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Vae Victis

Triste, eu, do teu querer desmerecida
Por quanta e tanta, tanta mísera dor,
A minha num mistério de candor
De espinhos e rosas incandescidas

Escorre na minha alma sangue e ardor
De vermelho em chaga e as feridas
Furiosas são estrelas esplêndidas,
Puras, virginais cicatrizes de amor

Catedrais de luz e mágoas suspensas
Esplendorosas que a saudade adensa.
O meu frágil corpo grita desejo e vida

À face incerta de um novo sentimento,
Que me leve no riso um luminoso vento
Assim triste…mas não vencida.

MariaJB

Poema inspirado na quinta carta de Mariana Alcoforado

domingo, 8 de julho de 2012

Quisera ser...

Quisera ser a esfinge do deserto
Guardiã das areias eternas
De tempos, sonhos e quimeras
Das fantasias onde desperto

Num espaço além universo
De noites brancas e gloriosas
Onde as sombras são rosas
E as tristezas são versos

Na minha alma gravados
De mistérios e segredos…
Ah! Tão estranha sorte

Esta…ser só o horizonte
misterioso e distante
Linha frágil de vida e morte

MariaJB

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Inês ou a Solidão

Na tempestade de um tempo maldito 
Extingue-se o sol, o calor, o coração aflito 
Ouve-se o uivo do chacal, o uivo da fera
No vazio idêntico da solidão que se apodera

Do espírito e da alma como um punhal
Fere o seio, o peito, o colo de graça fatal
Silencia na cova comida até ao pó,
Até à inerte substância de criatura só,

O choro e o riso do poder grandioso
Do despudor de um amor poderoso
A sete palmos da terra… são rainhas sim!

Dos imensos invernos, da imensa miséria
De estrelas, de sóis, de luas de quem sorria
Pelo crime de tanto…tanto amar assim…

MariaJB

quarta-feira, 4 de julho de 2012

....

Um anjo resplandeceu nas ruínas
Com um gesto que anima a frieza das estátuas
E os homens como crianças
Choraram verde, choraram esperança

MariaJB

segunda-feira, 2 de julho de 2012

A palavra exacta

Nunca gostei de física e matemática
de fórmulas e leis das ciências exactas
que até Deus fazem chorar.
Confesso que nunca as compreendi
talvez se deva a pouca inteligência,
sempre preferi o erotismo dos números,
os momentos de gala nos traços de Dali,
o gorjeio do tigre em noites de festim,
ou os miados dos pássaros ao luar,
e a palavra,
sempre preferi a palavra, simples assim,
e hoje pergunto com que inocência
se a palavra também mata?
Talvez o vento que hasteia o coração
Me ofereça a palavra exacta
aquela que significa perdão.

MariaJB

sábado, 16 de junho de 2012

As árvores também choram, irmão

As árvores também choram, irmão,
Acariciadas pelo vento as folhas que rodopiam
Num bailado de Isadora,
Serenas e sublimes de beleza calva e crua
Também elas contam uma história de outrora.
Na morte lenta do Outono a esperança nua
de reconciliação, de um sorriso na tristeza que pressentia
A leveza indizível do espírito nas asas de um anjo,
A inevitável separação de todos os ausentes.
Não te vou dizer
Como sofri ao ver-te morrer
E como ainda sofro
Todos os dias
 tão longe e tão perto de ti.
A tua voz muda as nossas almas unia
De céu e espanto
E nunca a palavra foi tão plena no silêncio
Das mãos entrelaçadas.

MariaJB

quinta-feira, 14 de junho de 2012

...

Magnifico e poderoso
Ergues-te no porto da minha alma
Sem medo e arrojado
Confundes os deuses
O imenso poder das ondas vivas,
Repentinas,  sobre os teus pés
De bronze fundido quebradas.
És um colosso
Espelho do sol que te presta tributo
Sem  penas, sem luto.

MariaJB

sábado, 9 de junho de 2012

....



Heil Hitler! tocavam as concertinas do aprendizado mental…

… e  os cães esfaimados e nervosos,
farejavam esperança e terror,
as estrelas brancas e puras.
Cada criança uma flor
à terra oferecida nas madrugadas nuas,  
com que lágrimas,
com que dor?

MariaJB

domingo, 3 de junho de 2012

Mar passional

Mar que te cumpres onda após onda
E em cada uma ostentas um arco pujante
Uma abóboda branca que à terra oculta o horizonte
Tanta é a grandeza escandalosa de vida e morte
És luz e treva,  água e sangue
E assim vens e vais continuamente
Passional
Nas asas de uma gaivota
Enquanto a terra chora fado e sorte

MariaJB

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Ao Pescador




É difícil escolher as mais belas canções de sempre mas esta é sem dúvida uma delas.


Hoje é o Dia do Pescador, homem do mar, inspirador de grandes poetas, ainda assim atrevo-me a prestar-lhe homenagem com este poema.


As rugas nutridas de sol e sal falam de luta e de paixão
das noites,  das luas e das marés
falam de ti, homem pescador
falam da tua fé
por esse mar
doce e sereno como o corpo depois do amor
pedes a Deus e à Virgem a dádiva de ir e voltar
a magia dos teus amores abraçar
pescador, no mar não és nada e és um homem e tanto

Com o sabor agridoce do prazer e da dor
noite após noite entras no mar
misterioso e enganador
quantas vezes general em guerra
de ondas e vendaval
quantas vezes o teu caixão
cruel e sem mágoa
quantas vezes te transforma em água
nas ondas da morte que vem fria e calma
quantas vezes voltas na espuma de encanto
de flores desfolhadas
na trovoada de raios e relâmpagos

São afagos, são lamentos,
a que Deus assiste
arrancados à alma
do teu amor triste
pelo infinito amar
e nem sabe se chora lágrimas
se chora mar

MariaJB


segunda-feira, 28 de maio de 2012

A mulher e o pássaro

Enquanto olhava o silêncio
Abruptamente cortado
Pelo concreto rumor do mar
Por uma pequena janela
Desenhada entre as ondas
Espreitava um pássaro dourado
De um tempo longínquo
No espelho do olhar gravado
Levou a mão ao peito
pulsava
Como a terra inundada
Que o mar surpreendeu
Pensava no destino
Até que lhe secou a pele
E o pássaro?
Desapareceu

MariaJB

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Oscar Peterson




Oscar Peterson, grande pianista de Jazz canadiano  na interpretação de Wave de Jobim.
Maravilhoso.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Os Amigos

Os amigos amei
despido de ternura
fatigada;
uns iam, outros vinham,
a nenhum perguntava
porque partia,
porque ficava;
era pouco o que tinha,
pouco o que dava,
mas também só queria
partilhar
a sede de alegria —
por mais amarga.

Eugénio de Andrade

Na minha alma...

Na minha alma...
 murmúrios de sombras quentes
silhuetas negras em tela transparente
a melancolia da lua
sem luz não é minha nem tua
na minha alma…o sol que desvanece
lobos que uivam e nada acontece
em planícies de saudade
gritos de graffiti na indiferença da cidade
a revolta sem palco sem audiência
a liberdade apócrifa da minha existência
na minha alma…a agonia do touro em pontas de farpa
o pranto das árvores desnudas de folhas de prata
pétalas de rosa do deserto encontro e sempre perco
sonhos de areia cristalizada …é tudo e é nada…

MariaJB

terça-feira, 15 de maio de 2012

My Way




  
Versão original de Claude François com o título “Comme d’habitude” que Paul Anka adaptou, Sinatra imortalizou e Elvis sublimou. My Way.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Quis um dia...


Quis um dia querer-te com a ternura
De uma história delicadamente bela
Com sabor de hortelã menta e canela
Com sabor de mel e azul na noite pura

Quis um dia querer-te docemente
Como um mar de alva espuma
Quis querer-te leve como uma pluma
Acariciando o teu corpo suavemente

Mas quero-te como quem sente
Tão ferozmente …quero-te assim ...
De febre, de lava e fogo em mim…

E então, amor! Como querer-te docemente?
Se quero a labareda que me devore louca,
Se quero a fome e a chama da tua boca!

MariaJB

Conto

Tomado de tamanha excitação Zé Gato encostou a amada à parede “Ah José, agarra-te que vêm aí as curvas!”. Em momentos solenes usava o nome José, era mais finório. Zé Gato era o seu nome de menino quando agilmente corria pelas ruas e levava recados de porta em porta para arrecadar uns trocos e o fazia sentir-se homem.  Mas o que ele gostava mesmo era de o associar aos momentos áureos em que se esgueirava e furtivamente roubava laranjas no quintal da vizinha Cristiana que de alma generosa fechava os olhos aos constantes ataques que vitimavam a aritmética do seu laranjal, e com o andar gingão e sobrolho levantado exibia o espólio de meia dúzia de citrinos aos pirralhos que o seguiam e idolatravam pela coragem e ousadia.
O que não estava nos planos de Zé Gato foi o súbito tremedor que lhe entrou pelas unhas dos pés e se encavalitou sem misericórdia pelo corpo acima. Habituado a façanhas de macho junto das mulheres de vida fácil sentiu-se repentinamente desajeitado sem saber como pôr as mãos nas curvas de Angélica já ofegante pela expectativa das carícias do garboso namorado. Roçou-lhe a masculinidade e sentiu a quentura voluptuosa daquele corpo que lhe oferecia  a virtude sem resistência.  Ainda timidamente em toques de veneração percebeu que amava perdidamente aquela mulher de belos olhos que lhe larapiou o coração. Com o olhar preso no dela inclinou o rosto e beijou-a gentilmente, uma vez, mas já ávido de paixão explorou todos os recantos daquela boca de mel e finalmente explodiu e libertou as mãos da inércia temporária percorrendo todo o corpo de Angélica derretido de amor e magia.
“Ah, grande malandro!  Pensavas que me fintavas?“ Atarantado, ainda sem perceber bem o que lhe estava a acontecer Zé Gato acordou do sonho com uma paulada na cabeça acompanhada dos gritos estridentes de D. Prudência, a querida futura sogra, que tomada de cuidados os seguiu sorrateiramente na missão inabalável de guardiã da honra da família.
 “Puta da velha!!” pensamento que traía o olhar inocente e desculposo que lhe dirigiu. Sempre era melhor prevenir não se desse o caso de tudo dar para o torto e então “adeus curvas!”. Com uma vontade assassina de esganar aquele pescoço flácido e rugoso compôs o semblante  com o ar mais respeitoso e sóbrio possível sentindo o cacarejar do galo que emergia exuberante no alto da sua cabeça.
 “D. Perpétua, vossemecê há-de desculpar o atrevimento, mas eu e a Angélica… bem… nós estamos noivos!”
Tal foi a novidade que até o Zé Gato ficou surpreendido de olhos esbugalhados a olhar para as duas mulheres.
Angélica, sem voz e corada até às orelhas, ajeitava nervosamente ao longo das pernas o vestido amarelo que tão amorosamente tinha costurado para a tão esperada noite do bailarico, estarrecida com o que acabava de ouvir e acontecer, suspensa pelo ar tenebroso da mãe Prudência.
“Noivos? “ pensou D. Prudência  com o cérebro já a mil, afinal o rapazola não era desajeitado, tinha trabalho, nas obras pois bem mas quem sabe não viria a ser mestre e o futuro da sua Angélica estaria garantido.
“Disseste, estamos noivos?” perguntou ainda com um ar carrancudo.
“Bem…eu…” começou Zé Gato a gaguejar, rogando pragas a si próprio pela alhada em que se metera.  
“Mau! És gago?” cortou D. Prudência já preparada para um novo ataque com o ar autoritário que se impunha, olhando para Angélica ainda meio apalermada com os olhos pregados no rosto magro e pálido do seu amado. Repentinamente como quem adivinha a falsa verdade irrompe num choro convulsivo deixando Zé Gato atrapalhado sem saber o que dizer “Estou frito” pensou desgostoso, que amava Angélica era um facto e agora ela esvaía-se em lágrimas como se o mundo estivesse para acabar. Não via necessidade de precipitar as coisas e ainda teria que explicar que a amava mas precisava dar um jeito à vida que já previa ser miserável no entanto ouviu-se a si próprio “ Angélica, queres casar comigo?” Ora, que se lixe, afinal era um homem de coração grande, bem podia acreditar que o amor por Angélica seria suficiente para matar a sede.
Mais tarde por via da desculpa enquanto se enfrascava para esquecer as agruras da vida de cão viria a pensar que foi este episódio traumático que lhe avivou os instintos violentos a juntar a umas quantas surras que o pai lhe distribuía  gratuitamente quando ainda menino resolvia, por conta dos trocados,  desviar uma mísera moedinha para rebuçados ao pecúlio tão ansiosamente aguardado pela garrafa de vinho que o pai despejava com desvelo enquanto lhe dizia as estranhas palavras “quando as curvas se transformam em praça não há remédio melhor que beber uma taça”.
MariaJB

terça-feira, 8 de maio de 2012

Um Amigo

Há uma casa no olhar
de um amigo.
Nela entramos sacudindo a chuva.
Deixamos no cabide o casaco
fumegando ainda dos incêndios do dia.
Nas fontes e nos jardins
das palavras que trazemos
o amigo ergue o cálice
e o verão
das sementes.
Então abre as janelas das mãos para que cantem
a claridade, a água
e as pontes da sua voz
onde dançam os mais árduos esplendores.

Um amigo somos nós, atravessando o olhar
e os véus de linho sobre o rosto da vida
nas tardes de relâmpagos e nos exílios,

onde a ira nómada da cidade arde
como um cego em busca de luz.



Eduardo Bettencourt Pinto



Para todos os meus amigos, aqueles para quem sou real ou imaginária. Não importa.

domingo, 6 de maio de 2012

Morte

Com esses dentinhos de crocodilo e olhos de serpente
és uma bruxa de beijo fatal e beijas toda a gente
tão amorosa…numa manhã qualquer ou tarde
ou noite reclamas o pão com que te alimentas e ardes

com que gemidos com que queixumes com que lamentos
danças e ris e gozas como um pássaro de rapina ao vento
ergues altares de devoção com flores sem caule, mortas
como gostas, e no silêncio uma égua a relinchar absorta

com que cavalos riscas o tempo e que drogas andas
a tomar? Grande turista de terra e mar e não te cansas
não te mói o trabalho comes o corpo e sorves a alma
ó Negra és um estado, uma nação de vermelho e calma

lambes o sangue, o plasma e os glóbulos, incansável
mãe da nova estirpe dos olhos vazios e abominável
creio que o teu problema deve ser falta de amizade!
ciúmes talvez… da vida, do prazer do riso, da possibilidade

Criatura bizarra!  beijar a Humanidade é o teu plano…
por favor não me faças um like nos próximos 50 anos!

MariaJB